Bianka Maria Delagracia
RESUMO: Durante a trajetória do ensino de história no Brasil, os usos políticos da disciplina variavam das mais diversas maneiras, dentre essas a utilização da disciplina como um veículo de divulgação e inserção do discurso político de um determinado tipo de governo. No Governo Militar, a criação das disciplinas Educação Moral e Cívica e Estudos Sociais, suprime a disciplina de história e passam agora a tornarem-se as principais disciplinas divulgadoras da formação cívica, patriótica e nacionalista. A partir de documentos prescritivos da educação na ditadura militar, nota-se como a transformação de valores na sociedade, refletia-se também na mudança de novas exigências no campo educacional, o que se reflete também sucessivamente na redemocratização do ensino, quando o ensino de história se transforma, mas ainda atende a um projeto de nação proposto pelo poder político inserido na época.
Palavras-chave: Ditadura Militar; Ensino de História; Estudos Sociais; Democratização do Ensino.
Keywords: Military Dictatorship; Teaching of History; Democratization of Teaching.
1. INTRODUÇÃO
O artigo a seguir tem como objetivo, a análise de documentos do ensino, elaborados dentro de um contexto temporal de Ditadura Militar no Brasil. Momento de grandes transformações tanto no cenário político, econômico que acabam por refletir na organização do âmbito escolar como também no ambiente da universidade dado o exemplo da Universidade Fnfi. O foco de análise a ser dado são as disciplinas utilizadas como forma de divulgação das ideias do governo, as quais tinham por objetivos a formação de indivíduos cidadãos cívicos, patrióticos, com um processo de ensino que estabelecia a ordem e a rigidez. Dessa forma as disciplinas a serem trabalhadas são: a Educação Moral e Cívica, e a História, cuja disciplina ficará restrita ao ensino de Estudos Sociais e OSPB juntamente com a disciplina de Geografia, uma reforma implantada pela Lei 5692/71, a qual também estabelece um maior controle do
estado sobre a educação. O artigo tem também como objetivo traçar uma breve comparação sobre as modificações ocorridas no campo do ensino de História com a redemocratização, principalmente com a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais no ano de 1998.
Desse modo para o melhor entendimento das modificações no ensino ocorridas nesse recorte temporal, o artigo se utilizará da análise de 3 documentos sendo esses: o Decreto lei nº 869 do ano de 1969 que dispõe sobre a inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória nas escolas básicas; A Lei Nº 5.960, de 11 de agosto de 1971,que fixa as Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus, e institui a disciplina de Estudos Sociais nos graus indicados . Por fim análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais de História publicado em 1998, o qual descreve a proposta do ensino de história em sua democratização como disciplina. A análise de tais documentos será desenvolvida através da problemática central que fundamenta o artigo, que consiste: Como o projeto político ditatorial se reflete nas disciplinas de Educação Moral e Cívica e Estudos Sociais e nas universidades, e quais aspectos são quebrados após a democratização do ensino .
A fundamentação teórica da análise será feita através de pesquisadores sobre o tema ensino de História e seu Histórico como Maria Auxiliadora Schmidt, Thaís Nívea Fonseca, e autores que tratam do ensino de história e seus documentos no período retratado como Filgueiras ( 2006), Viana ( 2014),Melo ( 2015), entre outros.
2. A CRIAÇÃO DA EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA
A partir do Decreto- Lei n. 869, de 12 de setembro de 1969, torna-se obrigatória em âmbito nacional o ensino da disciplina Educação Moral e Cívica, em todas as escolas em todos os graus e modalidades no sistemas de ensino no país. Juntamente com o estabelecimento da disciplina é criado no Ministério da Educação e Cultura, a Comissão Nacional de Moral e Civismo ( CNMC). Por traz da criação da disciplina o governo possuía um objetivo bem claro, que consistia na formação política dos brasileiros daquela época, instalando-se assim em ambiente escolar um sentimento de cidadania e patriotismo.
O civismo, o patriotismo, e o nacionalismo sempre se fizeram presentes na História do Brasil, desde o início do Império. Mas é na República que esta cultura cívica se insere na educação escolar. E é nos períodos em que o Estado assumiu as posturas mais autoritárias que se tornaram mais recorrentes. Nestes momentos, o Estado se insere na escola com vistas a transformá-la em instrumento de construção da cultura cívica nacionalista a serviço dos projetos de sociedade preestabelecidos pelos seus dirigentes. Consequentemente, são as disciplinas voltadas para a formação das consciências humanas as mais atingidas. (MELO, p.1, 2005)
Não só as disciplinas, mas todo o modo que a escola se constituía refletia o projeto ideológico que o governo possuía, se tratando na questão de garantir dentro do espaço escolar o sentimento de cidadania e patriotismo. De acordo com Melo (2005) tanto no período getulista quanto no governo militar normas, currículos, decretos e portarias escolares são criados no objetivo de garantir disciplina, e rigidez dentro do espaço escolar. Dessa forma a imposição do Decreto n. 869/69 deixa claro que os aspectos educacionais agora estariam influenciados pelas matrizes ideológicas proposta pelo governo.
Esse controle ideológico principalmente na disciplina da EMC, era estabelecido pelo já citado (CNMC). A comissão era composta por nove membros nomeados pelo Presidente da República, integrada por nove membros nomeados pelo Presidente da República, sendo esses de acordo com o Decreto a delicados a causa da Educação Moral e Cívica.
Dentre as obrigatoriedades de deveres dirigidos à Comissão pelo Decreto Lei n. 869/69 dispunham-se:
“Articular-se com as autoridades civis e militares do governo, para a implantação e manutenção da doutrina de Educação Moral e Cívica, colaborar com o conselho Federal de Educação, na elaboração de currículos e programas de Educação Moral e Cívica. colaborar com as organizações sindicais de para o desenvolvimento e intensificação de suas atividades relacionadas com a Educação Moral e Cívica; colaborar com as organizações sindicais de todos os graus, para o desenvolvimento e intensificação de suas atividades relacionadas com a Educação Moral e Cívica; assessorar o Ministro de Estado na aprovação dos livros didáticos, sob o ponto de vista de moral e civismo, e colaborar com os demais órgãos do Ministério da Educação e Cultura, na execução das providências e iniciativas que se fizerem necessárias, dentro do espírito deste Decreto-lei” . 1
Desta forma, analisando os pontos trazidos pelo Decreto, percebe-se que os órgãos federais tinham posição direta na elaboração dos currículos e projetos educacionais para a efetivação da Educação Moral e Cívica. Dessa maneira, até o processo de democratização do ensino brasileiro, em meados da década de 80, com a criação das Leis de Diretrizes e Bases e Parâmetros Curriculares Nacionais, as demandas das escolas, e dos professores ressurgentes das experiências escolares eram dispensadas, em uma maneira na qual recebiam pacotes externos e gerais.
Segundo Filgueiras (2006) a EMC, era um projeto político de disciplina responsável pela formação política do cidadão brasileiro, retirando das disciplinas de História e Geografia que sempre se incumbiram dessa função, essa responsabilidade. Alguns saberes como o civismo foi retirado dessas disciplinas para serem ensinados especificamente pela EMC, que, além disso, tinha o propósito de ensinar aos alunos quais os ideais que deveriam ser combatidos sendo o principal o comunismo, dando lugar a princípios religiosos.
Em termos de formação de professores para atuação na disciplina de Educação Moral e cívica o Decreto- Lei aponta: " A formação de professores e orientadores da disciplina "Educação Moral e Cívica," far-se-á em nível universitário, e para o ensino primário, nos cursos normais. ".
Segundo Lourenço (2010), a disciplina não era dada apenas por indivíduos formados na categoria Educação Moral e Cívica, professores formados nas chamadas licenciaturas curtas em Estudos sociais também eram responsáveis pelas aulas. Isso ocorria pelo início da formação na habilitação ocorrer apenas em meados da década de 70, sendo anteriormente dadas por professores habilitados na área de Estudos Sociais, como os antigos professores de História e Geografia. A autora ainda afirma que esses docentes nem sempre eram atentos aos objetivos colocados pelas documentações de ensino.
3. O ENSINO DE HISTÓRIA ABORDADO PELOS ESTUDOS SOCIAIS E OSPB:
Não somente a Educação Moral e Cívica, era portadora de uma forte carga ideológica, a disciplina de História, mesmo sendo suprimida juntamente com a Geografia e a OSPB (Organização Social e Política do Brasil) no campo dos Estudos Sociais instituído pela resolução nº 8/71, e sendo levado algumas de suas categorias como já citado no campo da EMC, ainda estavam presentes indiscretamente para a formação política dos cidadãos. “Mantidas no segundo grau, história e geografia conviviam com OSPB (Organização Social c Política do Brasil), que fazia propaganda dos governos militares, sobretudo o milagre econômico e o despertar do "Gigante Adormecido". (SOARES, p. 33, 2002)
Levando-se em consideração a história do ensino de História, é de grande relevância notar, como essa disciplina durante sua trajetória no Brasil, teve o papel de criação de uma identidade nacional, e de uma memória que favorece a legitimação de governos instaurados no poder de forma não democrática. Nesse período não foi diferente, o ensino de história de forma alguma estava neutro as imposições do governo autoritário da época.
Após 1964 o ensino de História aprofundou essa concepção, combinada com medidas de restrições à formação e à atuação dos professores e com uma redefinição dos objetivos da educação, sob a ótica da Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento, no sentido de exercer o controle ideológico e eliminar qualquer possibilidade de resistência ao regime autoritário. " (FONSECA,2011, pg. 56)
De acordo com Viana ( 2014) A historiografia relacionada ao ensino de História em contexto das reformas educacionais de 1970, acabaram por contribuir na construção de representações sobre o ensino desse período . Representações conceitualizadas por Chartier ( 1986) condicionamentos não conscientes e interiorizados, que fazem com que um grupo ou determinada sociedade partilhe um sistema de representações e um sistema de valores comuns. Representações que a autora sintetiza em dois pontos :o esvaziamento dos conteúdos da História nos Estudos Sociais e a permanência de referências teórico-metodológicas tradicionais.
O esvaziamento dos conteúdos é baseado em uma Transposição Didática, explicado por Chevallard (1991), como uma relação do entre o saber acadêmico e o saber escolar, sendo a didática o principal mecanismo de ligação entre ambos. Esse tipo de perspectiva acaba por ser muito criticada nos dias atuais, pela hierarquização que concebe ao saber da universidade ao saber escolar. Referindo-se as referências teórico-metodológicas, possuíam um inclinação para a vertente positivista caracterizada por uma história linear, baseada em aspectos políticos, datada, vangloriando heróis, factual e evolucionista.
A Resolução nº 853/71 de 1º de Dezembro de 1971, que institui a disciplina de Estudos Sociais dispõe no Art. 3º: “Nos estudos Sociais, ao ajustamento crescente do educando ao meio cada vêz mais amplo e complexo em que deve não apenas viver como conviver, dando ênfase a esse ao conhecimento do Brasil na perspectiva atual de desenvolvimento”. A perspectiva de desenvolvimento apontada pela resolução relaciona-se desenvolvimento econômico que se se caracterizava no período, “(...) sendo um desenvolvimento econômico somado ao bem-estar social em vista da manutenção da ordem, da preservação dos valores da civilização cristã e da segurança do sistema capitalista”. (DUARTE,p.155, 1998,).
O termo desenvolvimento é associado também na Resolução como um objetivo a ser alcançado em termos de aprendizagem do aluno. Segundo o documento esse desenvolvimento se relacionaria: “as capacidades do aluno observação, reflexão, criação, discriminação de valores, julgamento, comunicação, convívio, cooperação, decisão e ação, encaradas como objetivo geral do processo educativo.” É importante evidenciar através desse parágrafo da resolução o termo “discriminação de valores” apontado como um aspecto do desenvolvimento. Assim como a disciplina de Educação Moral e Cívica, a disciplina de Estudos Sociais não estava imune a inserção de valores religiosos, e a discriminação de ideologias que iriam de encontro com o governo, como o comunismo.
De acordo com Schimdt2, esse modelo de disciplina foi criado nos Estados Unidos após crise econômica de 1929, pela justificativa de que a educação haveria sido a principal causadora da estagnação econômica ocorrida no momento. Dessa forma a mudança traria uma educação mais voltada para o mercado e para a sociedade industrial, sendo assim um ensino menos intelectual somando a História e a Geografia em Estudos Sociais. Em contexto brasileiro, a disciplina iniciou-se como experiência na década de 50, mas é instituída a partir de 1971.
As mudanças vigentes nos currículos, não ocorriam somente no aspecto escolar, as universidades naquele momento estavam passando por um contexto de disputa de conhecimento, principalmente no campo humanidades, sendo essas alvo de um controle do saber, de uma forma autoritária, o que acaba por perseguições tanto de professores como de alunos. A exemplo disso pode-se citar a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (FNFi/UB) (1958-1968), atualmente a renomada UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
De acordo com Ferreira (2014), em termos de perspectivas históricas, a institucionalização do curso de história na FNFi foi influenciada pela concepção de uma história política, dominante na época, destinada a reforçar os laços da identidade brasileira por meio da ênfase na unidade nacional e no papel dos grandes heróis como construtores da nação, como citado anteriormente uma concepção tradicional que com influências do positivismo.
Nos anos anteriores a efetivação do golpe, a maneira como o curso de história se estabelecia, sendo as cadeiras de disciplinas, a concepção historiográfica que essas traziam, o lugar da universidade e o uso do ensino de história, estavam gerando grandes debates entre alguns alunos e professores, a partir do momento, que a conjuntura muda, e há uma intervenção no curso por parte do governo, cresce uma cisão forte entre os alunos e professores, e até mesmo os próprios professores.
A cadeira de história do Brasil, ocupada por Hélio Vianna, tinha uma postura conservadora, e sua orientação voltava-se para a histó- ria política e, principalmente, a história diplomática. A história do Brasil colonial recebia atenção especial, e as temáticas republicanas ficavam completamente secundarizadas; a abordagem historiográfica era marcada por uma supervalorização dos eventos e dos grandes personagens, sem que a dimensão econômica fosse trabalhada segundo depoimentos de ex-alunos de várias gerações, e eram profundamente enfadonhas, exclusivamente expositivas, com relatos factuais minuciosos. Não havia nenhum estímulo à pesquisa, nem com fontes, nem com bibliografia. ( FERREIRA, pg. ,2014)
Com a instauração do golpe, os alunos do curso de história começam a possuir um maior engajamento político, e uma identificação maior pelas vertentes de esquerda. A partir desse momento era de desejo dos estudantes que disciplinas que reportavam uma concepção tradicional da historiografia, incorporasse outras vertentes e modos de pensar a História, inserindo-se orientações de esquerda, e novas temáticas como as lutas sociais no Brasil.
Essa concepção de ensino de história defendida pelos alunos da universidade, ainda de acordo com Ferreira (2014), se aproxima de uma história crítica, que envolva problemas da atualidade, estabelecendo explicações e soluções possíveis para a compreensão do mundo contemporâneo. Para que o ensino de história pudesse ser revisto, a formação do profissional deveria também ser modificada. Os livros didáticos teriam que dar maior atenção ao estudo da história recente do Brasil. Os interesses de autores para serem inseridos nos campos de discussões das disciplinas, sendo esses de inclinação política à esquerda eram: Caio Prado Jr., o Nelson Werneck Sodré e o Celso Furtado.
Nesse momento os alunos ignoravam as disciplinas de cunho conservador como a História do Brasil, com exceção da Contemporânea e História Moderna e se aliam ao Iseb que por consequência se dão a criação de materiais didáticos como o “História Nova”, os quais tinham por objetivo trazer para a escola uma nova visão da História de cunho mais econômico e com ênfase nas lutas sociais. A coleção de materiais didáticos da História nova, com a instauração do Governo Militar, foi destruída.
Desse modo, com as repressões vigentes nas universidades, principalmente em termos de certo um apagamento de um ensino de história que se distanciasse de uma visão conservadora, as discussões elaboradas em meio acadêmico a cerca do ensino de história que se inclinavam para uma perspectiva de esquerda , nunca chegavam a serem colocadas em prática de fato .Esse distanciamento, de questões que pudessem transformar o ensino, fazem com que a história nas escolas fossem trabalhadas de uma maneira sem rigor nem fundamento: sendo trabalhada a partir de métodos decorativos, instituição de questionários e estudos dirigidos, eliminando as reflexões , cabendo ao professor de História lecionar os estudos sociais , a Educação moral e cívica, OSPB, e organizar os centros cívicos, como os desfiles comemorativos.
4. A REDEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO DE HISTÓRIA A PARTIR DOS PCN’S
De acordo com Schimitd (2010), a volta da disciplina de História como código disciplinar se deu apela configuração de dois pontos: ao fim do período de ditadura militar no Brasil, e a um movimento que se constituía por educadores e professores de História, que criticavam os métodos de ensinos propostos pelos Estudos Sociais em período de Ditadura, movimento esse liderado pela Anpuh (Associação Nacional de Professores de História).
Após o fim da ditadura militar, educadores pediam pelo um retorno do ensino de História como disciplina escolar. Dessa maneira, através da mobilização e demandas desses indivíduos criam-se propostas curriculares que possibilitam o retorno dessa disciplina, sendo exemplo dessa a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1998, elaborado pelo Ministério da Educação.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais reconhecem a realidade brasileira como diversa, e as problemáticas educacionais das escolas, das localidades e das regiões como múltiplas. É no dia-a-dia das escolas e das salas de aula, a partir das condições, contradições e recursos inerentes à realidade local e educacional, que são construídos os currículos reais. São grupos de professores e alunos, de pais e educadores, em contextos sociais e educacionais concretos e peculiares, que formulam e colocam em prática as propostas de ensino. Estes parâmetros oferecem mais um instrumento de trabalho para o cotidiano escolar. (SOUZA, pg. 15, 1998)
A partir de tal trecho percebe-se como o documento deixa claro que as orientações vigentes pelos Parâmetros passam a atender as demandas das escolas, dos professores e dos pais, trazendo uma co-atuação desses indivíduos no processo de elaboração. Deixa-se claro que essa deve ser levada como uma proposta flexível, não homogênea e nem impositiva, mas que sirva de base para a criação de planos específicos que atendam as demandas de cada escola, respeitando as diversidades regionais, culturais, políticas, ao mesmo tempo que constrói uma referência nacional comum para todas as regiões.
De acordo com Fonseca, com a crise do regime militar nos anos 70, o ensino de História sofreu uma nova mudança, visando novas possibilidades de se pensar a realidade brasileira, voltando o ensino para a análise crítica da sociedade, identificando seus conflitos e os menos favorecidos como sujeitos históricos.
Em termos de perspectiva histórica a abordagem dos PCNs de história consiste em uma quebra com a historiografia e ensino de história tradicional os quais pregavam uma história linear e factual, e um método de aprendizagem que consistia na memorização de conteúdo.
Dessa forma essa nova abordagem se aproxima das discussões estabelecidas pela Escola de Annalles, ou seja, da chamada História Nova, trazendo para esse campo de estudo uma nova forma de análise do passado, trazendo tanto assuntos do cotidiano quanto uma nova relação de se olhar as fontes. Para o historiador se trata de uma história que lida com questões sociais, uma ciência que retrata uma história mais global e que coloca em seu campo a interdisciplinaridade pois se trata de uma Ciência Humana.
Mesmo diante das renovações trazidas pela redemocratização do ensino de história vigentes pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, o documento não deixa de trazer as propostas políticas do governo vigente em sua criação, e a proposta de nação que esse pretende formar por via da educação e pelo ensino de História. Segundo Soares (2002) o ensino de história nesse período faz parte de uma estratégia maior, que trata de trazer para o campo da escola, quanto par a vivência dos alunos, uma modernização, uma capacitação ao uso de diferentes tecnologias, com o objetivo de transformar os alunos em uma massa de trabalho qualificada, substituindo-se assim a desqualificada.3
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, pode-se levar em consideração que no período de Ditadura Militar, a Educação principalmente o ensino de história refletem as transformações políticas e sociais ocorridas em âmbito nacional por um governo que institui sua legitimidade através de um discurso de ordem, civismo, patriotismo e nacionalismo. O domínio do saber escolar por parte do governo era tão eficiente, que essas categorias passam a ser interiorizados não somente na maneira pela qual a escola se organizava, mas também através da criação de disciplinas específicas como a Educação Moral e Cívica e os Estudos Sociais que possuíam objetivo da formação moral dos alunos através desses princípios.
Os documentos educacionais elaborados em contexto do governo vigente como Decreto- Lei n. 869, de 12 de setembro de 1969 e a Resolução nº 8/71 de 1º de Dezembro de 1971, os quais decretam as disciplinas em âmbito nacional, deixam claro em suas orientações,
presença de órgãos governamentais como a CNMC (Comissão Nacional de Moral e Civismo), que estavam articulados as propostas governamentais para o ensino , e eram responsáveis no auxílio da construção do conhecimento a ser repassado em tais disciplinas, sendo esses de teor religioso, e que discriminassem valores que afrontassem a legitimação do governo como as propostas da esquerda.
Ao mesmo tempo em que tais propostas conservadoras estavam sendo impostas através dos documentos obrigatórios de ensino, no campo da universidade, novas propostas para o ensino de história, principalmente em relação ao seu conteúdo estava sendo discutida no campo da universidade. Dado como exemplo a FNFi, na qual estudantes criticavam a concepção tradicional da historiografia, incorporasse outras vertentes e modos de pensar a História, inserindo-se orientações de esquerda, e novas temáticas como as lutas sociais no Brasil, criando-se assim o material didático História Nova, destruído pelo governo. A inibição das discussões feitas em campo acadêmico, causava cada vez mais um distanciamento da escola e universidade o que fazia com que um ensino de história tradicional e não crítico permanecesse sobre as escolas.
O processo de redemocratização do ensino e da disciplina de história, é visto pelos professores da época, como uma esperança em termos de modificação na estrutura de ensino que se consolidava na Ditadura, como também em mudança se tratando da intervenção do estado frente às políticas educacionais. Documentos como os Parâmetros Curriculares Nacionais de 1998, mostram uma grande transformação principalmente no campo da história, no qual concebe para seu ensino uma postura mais crítica, contrapondo-se a um ensino de história tradicional que favorecia história política deixando de lado outras perspectivas. Porém mesmo diante da mudança em torno do ensino de história, esse ainda é utilizado como em como um instrumento de formação de cidadãos que cumpram o projeto de nação estabelecido pelo novo projeto político estabelecido pelo governo que agora se estabelece, caracterizado por uma nação modernizada a partir do uso de tecnologias, e com um grande contingente de mão de obra qualificada.
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1 - Art. 6º do Decreto-Lei nº 869, de 12 de Setembro de 1969.
2 - Entrevista De Maria Auxiliadora Schimdt em Jornal Gazeta do povo.
3- O documento deixa claras essas concepções no trecho: “O papel fundamental da educação no desenvolvimento das pessoas e das sociedades amplia-se ainda mais no despertar do novo milênio e aponta para a necessidade de se construir uma escola voltada para a formação de cidadãos. Vivemos numa era marcada pela competição e pela excelência, onde progressos científicos e avanços tecnológicos definem exigências novas para os jovens que ingressarão no mundo do trabalho. Tal demanda impõe uma revisão dos currículos, que orientam o trabalho cotidianamente realizado pelos professores e especialistas em educação do nosso país.” (SOUZA, 1998)
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