Em tempos de pandemia, a humanidade vive um dia de cada vez. Não por acaso, esta é a regra número um dos grupos de recuperação de viciados.
O medo do ilustre desconhecido, o Coronavírus – Covid-19, paralisou parcela significativa da população do mundo e faz com que os seres humanos convivam com a incômoda sensação de impotência. As mudanças são drásticas e diárias. Medo justificado pela história recente das descobertas da medicina, em relação as consequências da ação de vírus, e sua capacidade de mutação constante, no corpo humano.
O Chikungunya, um arbovírus transmitido por picadas do Aedes Aegypti ou carrapatos, é um exemplo. Inicialmente considerado inofensivo, mostrou-se potencialmente destrutivo do sistema neurológico de fetos.
Ou seja, apesar de estudado por milhares de cientistas, não há como prever as consequências do novo vírus na saúde humana a médio e longo prazo.
Até o momento, já se sabe que há três diferentes cepas em circulação pelo Brasil. Todas vindas da Europa. E que foi no Brasil o primeiro registro da perda do olfato e do paladar como sintoma.
Sabe-se ainda que a Covid-19 pode ser letal para todos os seres humanos, independe da classe social, condição previa de saúde, da condição intelectual, cultural ou mesmo da idade. Talvez a grande aprendizagem decorrente do isolamento social tenha sido perceber que precisamos de muito pouco para viver e ser felizes. E que precisamos nos adaptar aos novos tempos.
Aos poucos, os humanos viciados na velocidade da fibra ótica e da “realidade” exposta nas redes sociais, tivemos que fazer uma parada obrigatória, mergulhar fundo no próprio universo interior e aprender a conviver consigo mesmo e com os familiares, com a mudança repentina e contínua da rotina.
Confinadas em casas, as pessoas (re)descobriram-se cozinheiras, faxineiras, arrumadeiras, lavadeira e passadeira de máscaras, jardineiro da própria plantação...
Na grande maioria dos lares, a principal aprendizagem foi conviver com a família 24 horas por dia.
A situação ainda é transitória após seis meses de confinamento. Todos estamos impossibilitados de fazer qualquer previsão de futuro seja em longevidade, seja em condição financeira e econômica, independente de raça, cor, posição social ou mesmo intelectual. Nos resta apenas viver um dia após o outro.
Há seis meses, as pessoas no mundo todo priorizam e agradecem diariamente por estarem vivos. É como se fossem integrantes de um grupo de viciados em recuperação (AA): só por hoje.
Uma partícula invisível a olho nu tirou professores e alunos do ambiente escolar e os levou para dentro de casa juntamente com o trabalho dos demais familiares.
E agora, ao mesmo tempo em que cada membro da família cuida da saúde do outro, todos aprendem as lições escolares passadas pelas professoras e professores aos estudantes. Ou seja, todos aprendem e todos ensinam e descobrem mais de si e dos demais membros da família.
Em casa, a família está voltada a garantir que as crianças, adolescentes e jovens, consigam estudar. Aprender não é somente um meio de adquirir conhecimento científico, mas também de manter a saúde mental e alguma esperança de que a sociedade dará conta de seus integrantes no futuro.
De certo mesmo, só a convicção de que teremos de aprender a conviver com o vírus, com as mudanças que ele impõe sobre o trabalho, os estudos, a convivência familiar e social, e até mesmo a vida íntima de cada um.
O (não) movimento é o mesmo no mundo inteiro, independente de classe social, nível cultural ou de escolaridade da população. Ninguém previu e ainda não consegue prever o dia de amanhã. Mas é certo que teremos de incorporar alguns hábitos de prevenção e higiene ao nosso cotidiano.
O ensino remoto e o online, com certeza continuarão.
Afinal, descobriu-se que a internet é uma grande aliada do professor e dos estudantes na aprendizagem. E se antes a discussão era a excessiva exposição dos pequenos às telas, agora a preocupação é como conciliar o excesso de tempo dentro de casa, com a necessária exposição ao sol.
O principal veículo do ensino remoto deixou de ser um vilão. Já se sabe que tudo depende de como a internet é usada.
Outro hábito que deve permanecer é o da participação maior dos familiares na vida escolar de seus filhos. As atividades físicas online também devem continuar no pós pandemia.
Neste mês em que o Jornal da Educação completa 34 anos de circulação ininterrupta, registramos a maior de todas as mudanças abruptas dos sistemas educacionais de nossa história.
Em três décadas, registramos inúmeras mudanças na maneira de ensinar, nas relações entre professores x alunos x família e, principalmente, entre os profissionais da educação e os governantes.
Na primeira edição, em agosto de 1987, o título de uma das reportagens era “MUDANÇAS - Todos falam e aceitam, mas ninguém as pratica!”. Ela reporta a tempos não tão difíceis como os atuais, mas igualmente de mudanças.
Naquele momento, o sistema escolar era composto basicamente por escolas estaduais e os professores tinham que fazer praticamente tudo, pois não havia bibliotecas escolares, nem cursos para professores e telefone fixo nas escolas era luxo.
Muita coisa mudou em três décadas, mas como é natural, as pessoas continuam resistindo às mudanças. Mas há situações que guardam semelhanças, como o protagonismo do professor no processo do ensino e dos alunos na aprendizagem.
Assim como na década de 80, os professores voltaram a ser os responsáveis pela preparação das aulas e pela busca de recursos didáticos.
Para conseguir que os alunos aprendessem, era necessário buscar o auxílio dos colegas, pois não havia cursos, congressos e seminário. A quase totalidade das escolas públicas eram da rede estadual e a coordenação pedagógica centralizada na capital.
A ajuda mútua, especialmente entre os profissionais que atuavam na mesma escola ou disciplina, era a principal estratégia de ensino. Deste modo, sobressaiam-se as iniciativas individuais.
Somente 67% das crianças de 7 a 14 anos estava frequentando a escola e as famílias das que conseguiam vagas, participavam ativamente da vida escolar e, muitas vezes, eram essas famílias que, em mutirão construíam salas de aula, parques e hortas nas escolas.
Vale lembrar que somente no final da década de 1990, o Brasil conseguiu “universalizar o ensino básico” para mais de 90% de suas crianças desta faixa etária.
Ao longo destas três décadas, o JE reportou mudanças profundas tanto na legislação educacional, quanto no relacionamento escola x comunidade x professores x alunos. Mas seguramente, as edições deste ano de 2020, reportam as mais drásticas mudanças no modo de ensinar e de aprende aplicadas em tempo recorde de seis meses.
Assim como aconteceu em todo o mundo, todos tivemos que acatar, nos adaptar, aceitar e, principalmente, praticar as mudanças impostas pela pandemia.
Na década de 80, os professores eram os principais responsáveis pelo processo de ensino e aprendizagem e tinham também a respeitabilidade dos alunos, pais e sociedade. Apesar de sequer terem com quem conversar a respeito de seu fazer pedagógico.
Hoje, as famílias voltaram a vivenciar a vida escolar e, esta é talvez a mais importante das práticas que continuarão. O uso das tecnologia para aproximar a escola e os pais é outra inovação que deve continuar. Podemos concluir, afinal que “há males que vem para bem”.